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segunda-feira, 11 de março de 2013

Jutsu e DÔ.






Oss!

Durante o longo caminho percorrido por mim no entendimento das artes marciais uma questão me acompanhou durante muitos anos, causando muitas vezes questionamentos e incerteza à cerca de meu rumo e objetivos. Como artista marcial que sou, não seria fiel às minhas crenças e convicções se não dedicasse ao menos uma breve passagem a este assunto.
                  Primeiramente gostaria de esclarecer o significado dessas duas palavras.
JUTSU: Arte; Técnica.
: Caminho; Via, Modo.
       Provavelmente o amigo leitor já ouviu falar em JU-DÔ e JU-JUTSU ou Judô e Jiu-jitsu como são mais conhecidas essas duas artes que são muito difundidas no nosso país onde temos respectivamente atletas medalhistas olímpicos e campeões mundiais.
        Pois bem, para que possamos compreender bem façamos uma breve incursão histórica pelo Japão feudal mais precisamente pelos anos de 1603 quando foi instituída a ditadura militar conhecida como Xogunato Tokugawa até 1868 quando teve início a Restauração Meiji, uma série de eventos que levou a uma mudança na estrutura político social do Japão, a chamada pacificação.
         Durante séculos o Japão foi assolado com guerras civis entre os feudos, nessa época ocorreu o surgimento do Bujutsu (武術), que era um conjunto de técnicas ou artes marciais, que somente podiam ser treinadas pelos Bushi (samurais), visando seu uso em batalha. Artes como o Kenjutsu(técnica da espada), Kyujutsu(técnica do arco) e o Ju-Jutsu(arte suave) que naquela época compreendiam técnicas de golpes(atemi wasa), técnicas de projeções ou quedas(nage wasa) e técnicas de solo(ne wasa), eram  treinadas apenas para tornarem-se eficientes e letais em combate, porém o árduo treinamento à busca da perfeição técnica remetia a uma conduta diferenciada onde conceitos éticos e morais surgiram  norteando e dando um significado mais profundo às Artes Marciais, alicerçada por conceitos de disciplina e hierarquia pertinentes as práticas militares.
         Com o fim da era Tokugawa e o início da pacificação do Japão, as técnicas marciais ou Bujutsu começam a perder a sua importância como instrumento de guerra já que a “Classe Samurai” estava extinta e frente aos novos armamentos a maioria das técnicas tornava-se inútil. O que fazer então com séculos de cultura marcial?
         Através desses séculos de guerra, a prática, o estudo e o desenvolvimento das técnicas marciais explicitavam um poderoso veiculo sócio educativo, além dos óbvios benefícios físicos e mentais. Seria esse o novo caminho, evidenciar a filosofia em detrimento à busca pela eficiência letal.
         Porem para reguardar o patrimônio marcial japonês era necessárias adaptações para se adequar aos os novos tempos. Novos objetivos foram propostos. A meta não poderia ser mais a guerra. Outra mudança foi com relação ao público que tinha acesso às antigas técnicas: os samurais já não existiam mais. A nova finalidade foi explicitar o caráter formador e educacional em detrimento da busca pela eficiência letal. Através do treino das técnicas se cultivaria corpo, mente e espírito para o auto-desenvolvimento, e as técnicas estavam abertas para toda a sociedade.
 Logo, muitas técnicas foram adaptadas e algumas até eliminadas. Não seriam mais técnicas mortais, visando a guerra, exclusiva dos samurais, mas caminhos educacionais para o aperfeiçoamento humano que estavam ao alcance de qualquer um.
 As artes marciais migrariam então para o “Dô”, que significa tornar-se um caminho pelo qual se busca o auto conhecimento e auto aperfeiçoamento. Uma "Via" para o desenvolvimento humano.
         Contudo o que se seguiu foi apenas uma mudança no foco, para assegurar a sobrevivência das artes marciais no novo mundo, e não uma mudança estrutural como a que é praticada nos dias de hoje.

          Desta feita artes antes conhecidas como Ju Jutsu, Ken Jutsu, Karate Jutsu, etc, tornaram-se os modernos Ju Dô, Ken Dô, Karate Dô,etc... O mais difícil porém é que entendamos a conotação comportamental do Jutsu e o Dô.
          A conotação filosófica diz respeito unica e exclusivamente aos "objetivos" preconizados a cada uma dessas palavras, Jutsu(eficiência), Dô (busca), não tendo absolutamente influência alguma na prática desta ou daquela modalidade, apenas os fins deveriam ser mudados e não os meios. Os tempos modernos trouxeram as competições e com elas inúmeras "mudanças na estrutura" ocorreriam, seria necessário confrontar a mesma técnica entre seus praticantes à busca de um campeão, o que fatalmente ocasionou uma significativa perda na eficiência, pois o treinamento seria agora direcionado a técnicas previstas dentro de um universo de possíveis ataques e contra-ataques, pertinentes a cada modalidade.
         A pouco mais de uma década uma nova maneira de se confrontar as técnicas surgiu, colocando diferentes modalidades em um confronto direto. Por alguns anos o Jiu-Jítsu Brasileiro dominou este cenário, talvez por ser a única arte a preservar os objetivos originais, (eficiência letal), sejam eles permitidos ou não em um confronto esportivo. O que se seguiu foi um completo paradoxo, a “evolução das lutas,”, nada mais era do que a volta às origens ampliando suas possibilidades, quando o que tínhamos era o objetivo de enfrentar oponentes desconhecidos, conhecedores ou não de alguma técnica, o que abriria um sem número de incógnitas onde os objetivos distavam em muito de “pontos ou notas”, e a busca era pela eficiência na totalidade.

                                                  JUTSU e DÔ
                  Quando um médico pratica caligrafia, para que suas receitas sejam absolutamente legíveis,  não deixando assim margem para um eventual equívoco por parte de um paciente ou enfermeiro, isto é Jutsu.  

Se um digitador treina caligrafia para alcançar excelência na escrita, em detrimento de sua funcionalidade, isto é Dô. 

Se um artista marcial golpeia 10.000 vezes com a espada para que ela se torne a extensão de seu braço, e seu golpe uma segunda natureza  capaz de subjugar qualquer oponente, isto é Jutsu.
 Porém se ele o faz à busca da perfeição, para dentro dos preceitos técnicos da arte encontrar um modo de vida,não obstante sua "anacronicidade", isto é Dô.

 Minha “luta”, porém, é no sentido de esclarecer a proximidade desses dois sentidos da arte, pois se mesmo nos tempos de guerra mais feroz, onde o Jutsu imperava, o “Bushi-Dô”, código de ética não escrito, que preconizava dar ênfase à lealdade, fidelidade, auto sacrifício, justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial, honra e, acima de tudo, morrer com dignidade, que em última análise reúne todos os preceitos do Dô, era extremamente valorizado, por que hoje em que esse tempo já se vai longe, não se consegue mais promover essa união.

                  O objetivo do Dô é aperfeiçoar o “Ser Humano”, o do Jutsu, sobrepujar o “Ser Humano”, e é ai que se esconde o grande paradoxo das artes marciais.

 Na busca incessante pela excelência técnica, perseguindo a máxima eficiência,  cercados por conceitos de honra, disciplina e respeito, nos deparamos com momentos de total solidão e introspecção que nos conduzem a um maior autoconhecimento e consequentemente nos criam a possibilidade de melhorarmos como Seres Humanos.

                  “ A busca pela “eficiência” nos torna obstinados pela “perfeição”, e é quando entendemos nosso modo de vida, o que em meu entendimento é  a união entre o “Jutsu” e o” Dô”, que são segmentos e como tal, não devem ser separados.

 “Treinar sem buscar a totalidade da  arte, é tão equivocado quanto alcançá-la sem entender a responsabilidade que isto requer”.  Vinicio Antony.


Oss!


2 comentários:

  1. Cada minuto de ensinamentos do Sensei Vinício vale por meses de aprendizado comum. Essa curta lição tem camadas profundas de conteúdo - é gratificante ver como os conceitos de jutsu e dô se aplicam em nossa vida cotidiana e especialmente no treino de artes marciais. Essa magistral aula certamente irá reverberar durante o treino, trazendo resultados concretos! Oss!

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  2. Oss! Muito esclarecedor, direto e profundo, assim como o Dô e o Jutsu!

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